domingo, 28 de junho de 2015

Quem ama escreve assim

Deixa-me ficar aqui só a ouvir-te respirar. Deixa-me ser fada e vidente e adivinhar nos teus olhos de mal alguma tristeza que eu possa curar. Deixa-me encostar a face ao teu peito e ficar a contar as batidas do teu coração, a pensar que estou dentro dele e que me queres como eu te quero. Deixa-me ficar só aqui concentrada nos teus olhos que quero sempre a rodear-me, a cuidar de mim, a fitar os mesmos sonhos e as mesmas realidades. Deixa-me ficar aqui, ao pé de ti ... Deixa-me beijar de mansinho o teu pescoço exageradamente perfumado e pensar que nem todo há tempo para amar quando todo o tempo do mundo parece tão curto. Deixa-me parar os nossos relógios, deixar o mundo de parte e sentir que nada mais importa quando estamos juntos. Deixa-me nascer dentro de ti, ensina-me a gritar pelo teu nome todos os dias, ensina-me a pedir-te o que me dás sem eu pedir, ensina-me a dar-te mais do que o máximo do que já te dou. Abre o coração, não para que eu entre nele, mas para convidá-lo a caminhar sempre do lado do meu, abre-o para que possas sentir-me quando eu estiver a milhas de distância, quando a alma chorar de saudades. Deixa-me inventar pós mágicos para que estejas onde não estás. Deixa-me apanhar a boleia daquele pato bravo e aterrar numa terra onde caminhes sempre do meu lado, como manda a lei da física, onde tu me vejas sempre que quiseres e eu te possa sentir o tempo todo. Deixa-me amar-te sem limites e afastar esta sensação de que as horas podem controlar o tempo necessário para se amar e ser amado. Deixa-me ficar para sempre contigo.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Palavras que me definem

"Não sei a mulher que sou, mas sei a mulher que não sou. Não sou a mulher que se esconde nos tachos, a mulher que se cala nas horas, que se entrega ao embuste da segurança, à fraude suportável de ver passar o tempo. Não. Não sou. Não sou a mulher do fado e das lágrimas, a mulher do enfado e das rotinas, dos sonhos que se arrastam pelas esquinas. Não. Não sou. Não sou mulher de sorrisos quando existe a gargalhada, de aldeias quando existe o mundo. Não sou nem um milímetro menos do que aquilo que posso ser, e se um dia cair foi porque tentei saltar e não porque preferi aceitar."

De Pedro Chagas Freitas, em "Prometo Falhar"

domingo, 26 de abril de 2015

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Destroços de silêncio

Oiço o silêncio de mim própria a ressoar cá dentro e, no desespero por um segundo de paz e luz, abafo-o com esta esperança em que já nem quero crer. Sigo a linha contínua de destroços contando-os e sei do tempo de cura de cada um deles. Menos deste. Sou tão má a aceitar as minhas perdas. Volto-as contra mim como canhões e disparo sem perdão. Assumo a culpa de tudo. Mesmo quando sei que não a tenho na totalidade. E fica mais difícil ver o sentido, o ensinamento. A solidão é o pior presente envenenado que se pode ter. Sinto-me enclausurada numa sala sem vida onde a única coisa que se afirma é a minha lamentação. Estou cansada de ouvir o teu nome. E estou cansada das tréguas falsas que dou a mim mesma na tentativa de ver o melhor da situação. Precisava tanto que, apenas pelo tempo que te é permitido, deixasses cair essa redoma em que te impuseste para afastar o meu sofrimento, e me falasses do silêncio que também ouves dentro de ti. Só para não sentir que aqui estou só.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Um sapato que já não serve


Num sítio onde tantas vezes vou buscar inspiração e reflexão, li esta frase da querida Sofia:
"Insistir numa coisa (ou num alguém) que não bate certo é como querer calçar uns sapatos que já não servem: só (nos) magoa."

E fiquei a pensar o quanto esta minha força quase auto-masoquista de acreditar nas pessoas e nas segundas oportunidades me obriga a ter um armário cheio de sapatos que me magoam. As pessoas dificilmente mudam. E quando mudam é para pior porque isso é tão mais fácil. Ser melhor dá imenso trabalho. Acima de tudo, ser melhor obriga-nos a admitir que estamos a fazer algo mal e isso é coisa dos fortes, dos masoquistas, ou dos que pensam demais. Ser melhor é avançar e isso fica muito longe da nossa zona de conforto.

Mas admitamos. Eu vou ter sempre sapatos que não vou conseguir calçar mas mesmo assim achar que são os mais especiais do meu armário. E vou sempre acreditar em príncipes encantados e amores eternos. E em cada linha de um poema romântico. E vou saber recitar meia dúzia de músicas lamechas que já ninguém ouve. Por mais que me partam o coração.

domingo, 12 de abril de 2015

Dos arrependimentos


Não consigo conceber o momento em que, no final da vida, olhando para trás, tenha de avaliar o meu próprio percurso com a nitidez que quem já não tem nada a perder. Mais do que o medo da morte tenho medo do arrependimento. Tenho esta irrevogável certeza que o que não ficou feito pesa mais dolorosamente do que a despedida do que se teve coragem para fazer. Que o arrependimento de ter cedido tantas vezes ao medo (e muitas delas conscientemente) é o nosso elo de desconexão com a vida. Ou com o que ela devia ser. Ninguém se arrependerá de não ter passado mais tempo a passar a roupa a ferro. Ninguém dirá que se arrepende de não ter trabalhado mais. Só o que realmente importa nos deixa arrependimento. Eu sei que vou lamentar não ter olhado mais vezes mais o céu estrelado. Eu sei que vou lamentar não ter perdoado mais. E viajado mais. E dito mais vezes "gosto de ti" a quem me preenche o coração. Vou lamentar não ter tido mais conversas pela noite fora, Ou de não ter suplicado por mais abraços. Vai pesar a coragem que não tive. Vou lamentar não ter lutado mais pelo que não me deixa dormir à noite.
E eu sei ... Cada momento é uma oportunidade para não me arrepender.

domingo, 8 de março de 2015

Das coisas que fazem sentido


A proporção de dois ouvidos para uma boca. As palavras podem ferir, o silêncio é melhor curandeiro. Dias nublados que dão mais sentido à luz. Termos pernas e não raízes porque há um mundo para lá do horizonte por descobrir. Sabermos que o laço que nos prende à família tem qualquer coisa de inquebrável que resiste ao tempo e à distância. Que a Primavera venha depois do Inverno. Termos apenas um coração pois só se pode amar uma pessoa. Saber perdoar o que nem tem perdão. Ver felicidade em sítios escuros. Que a vida ande a contra-relógio, para que cada dia tenha a leveza de uma tonelada de oportunidades. Ser primeiro criança e depois adulto pois sonhar é a primeira coisa que se deve aprender. Que a vida descubra uma forma de renascer na improbabilidade.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Palavras bonitas


"Dizia que queria “viver, viver muito, conhecer todos os lugares, explorar”. Seu dia a dia era um vai e vem de planos, ideias de viagens e pensamentos que só sossegavam quando pairavam no futuro. O presente, respondia, “é só um step para o que vai acontecer lá na frente”. Daqui a um mês, um ano, dez, vai saber. Mas era lá que estava toda felicidade que merecia, certeza.

Mas, ora bolas, os anos passavam e cadê aquele momento glorioso que nunca chegava? Os sonhos se esfarelavam pelas mãos como concreto que não dá liga. A vida adulta também não facilitou: seguiu todos os caminhos esperados e, quando percebeu, estava dentro de um caminho engarrafadíssimo. Faculdade, casamento, filhos, trabalho – tudo isso consumia tanto tempo! Onde estavam as viagens e lugares que iam lhe fazer feliz de verdade? A cada passo que dava pra frente, a felicidade real recuava dois.

E a vida diária? Nossa, que horror. Os dias se arrastavam como se pedras estivessem amarradas em todos os membros. Definitivamente, não tinha como se satisfazer com aquilo. Quem em sã consciência vive assim e ainda consegue sorrir, ainda consegue se motivar para ir em frente? Ele que não. Pois era em outro lugar que descansava toda sua paz, seu futuro bem estar com gaivotas e coco na praia. Ou num canto escondido na montanha. Ou uma cabana na floresta. Vai saber. Mas não era ali. (...)"

Texto completo a ler na Revista Carne Seca

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Vaso partido


Sou um vaso desfeito em mil pedaços. Espalhados à minha volta sem propósito, dispersos do que já foram e sem um projecto de como se manterem juntos. Pedaços solitários que já não sabem o seu lugar. Olho para todas estas rachas, e para os bocados que de mim saltaram e não tenho forma em mim de os voltar a colar. Sinto que me faltam peças e, mesmo que reconstrua o vaso, ele nunca será igual. Nunca ficará perfeito nem completo. Um vaso partido não serve para nada: não aguenta a água, nem as flores.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sorrisos e Lágrimas

Sempre fui assim, pequena em mim mesma. Mais julgadora de mim própria do que amiga do que sou. Numa busca de perfeição constante, exigência no máximo e culpa derrotista. Sempre soube que, sozinha, sou menos do que quero ser. Construir o abrigo em ti foi a minha cura perfeita. Fez-me ser forte, porque ao pensar em ti, tudo me parecia mais facilitado. Todas as coisas difíceis tinham como objectivo ser mais um passo à frente para nós. E isso fazia-me continuar, sempre, sem olhar para trás. O teu abrigo fez superar-me a cada passo. Mesmo quando estava sozinha o que me fazia continuar era saber que tinha sempre sítio para onde voltar, o teu abraço. Agia como uma extensão da tua força por não ter em mim, essa capacidade de a criar. És bom a acalmar-me, a criar sorrisos. E, por isso, sempre me deitei na tua coragem e nunca aprendi a desenhá-la de mim para mim. Quando o jogo reverteu e foste tu a precisar de um sorriso eu não te soube fazer sorrir. Eu não sei conjugar o verbo sorrir sem ti. Caí no poço. Olhei para dentro de mim à procura de respostas, à procura de um manual de instruções de como criar felicidade. E percebi que sempre tinhas sido tu a fazê-lo por mim, eu nunca aprendi a fazê-lo sozinha. Quando mais precisavas que te alegrasse e levantasse do teu poço eu estava subterrada no meu poço de tristeza. A sentir-me só, vazia, olhar impávido para um caminho que nunca aprendi a percorrer. Sem conseguir perceber que quem precisava de mim agora eras tu.